A beleza da diversidade vocal


Não existe um jeito "certo" ou "correto" de se cantar. Há, na verdade, uma variedade de estilos, técnicas, e escolas vocais ao redor do mundo, onde o canto serve para diferentes finalidades e está inserido em contextos socioculturais específicos. E aí está a beleza do uso da voz que nós seres humanos fazemos: a adaptação, os ajustes e tendências vocais que nascem da necessidade de chamar a boiada, ou de cantar lavando roupa, ou de precisar projetar a voz para um teatro inteiro sem usar microfones, ou ainda o canto coral das igrejas com objetivos religiosos, entre tantos outros exemplos...

Ao iniciarmos uma aula de canto, os alunos já chegam até nós com sua bagagem cultural do canto, suas principais influências, assim como suas manias e imitações de artistas famosos. Estou aqui para te dizer que isso é super normal e esperado por nós professores, ou seja, tá tudo bem! Na música popular brasileira muitos cantores iniciaram seu caminho musical imitando outros cantores até descobrirem sua voz, seu diferencial, sua performance pessoal. E se imitar é o seu forte, é imitando cada vez mais que você vai aprimorar sua arte: siga sem medo de ser criticado! 

Atualmente, com a indústria musical globalizada, percebemos que há de fato uma hegemonia dos estilos de canto norte americanos em todo mundo, inclusive aqui no Brasil. Esta forma de cantar, presentes nos programas de TV como The Voice, estão ligados a um estilo de canto chamado belting (muito utilizado por atores cantores em musicais da Broadway). É um canto forte, as vozes tem muita presença, vibratos, melismas, e exploram bastante as extensões mais altas, numa valorização do virtuosismo vocal. Não há nada de errado com esse estilo, é super bonito. A crítica não deve recair sobre o belting em si, mas sobre a padronização estética do canto empurrada para nós através do mercado fonográfico.  

O efeito dessa padronização importada é a tendência a pura imitação, desconsiderando aspectos importantes da nossa fala, da nossa língua e da nossa cultura vocal. Chega-se a extremos de alterar a dicção de palavras em português para se adequar à língua inglesa. Isso ocorre porque a técnica não foi bem adaptada para o nosso canto brasileiro, que é tradicionalmente baseado na fala popular. Adaptar o estilo recém chegado, o belting, ao nosso contexto é algo que exige tempo e estudo, com o cuidado, é claro, de não cairmos na uniformização da maneira de se cantar, deixando sempre espaço no mercado para a beleza da diversidade de interpretações, timbres e estilos vocais brasileiros.

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